...
Art. 11. Constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim
proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de
competência;
...
CAPÍTULO III - DAS PENAS
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas,
previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade
sujeito às seguintes cominações:
...
III - na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.
Número do processo: 1.0000.00.314375-7/000(1)
Relator: ORLANDO CARVALHO -
Relator do Acórdão: ORLANDO CARVALHO
Data do acordão: 20/05/2003 -
Data da publicação: 23/05/2003
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -
CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - DESCUMPRIMENTO DE
TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA.
A contratação de servidor pelo município, sem concurso público, viola o
art. 37, caput, e inc. II, da CF/88, implicando a nulidade do ato e a punição
da autoridade responsável, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa.
Havendo violação aos princípios da administração pública, caracteriza-se o ato
de improbidade administrativa, independente da efetiva ocorrência de dano ao
patrimônio público. Livrar o administrador público das sanções previstas na Lei
nº 8.429/92, havendo praticado ato manifestamente ilegal, ciente da sua irregularidade,
seria estimular o ímprobo a agir. Recurso provido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.314.375-7/00 - COMARCA DE CAMPANHA - APELANTE(S):
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ COMARCA DE CAMPANHA - APELADO(S):
JOSÉ MARIA PROCK -
Vistos etc., acorda, em Turma,
a PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos
e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL.
O SR. DES. ORLANDO CARVALHO: -
VOTO
Tratam os autos de ação civil
pública por ato de improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE MINAS GERAIS, através do seu representante na Comarca de Campanha,
contra JOSÉ MARIA PROCK, Prefeito Municipal à época, alegando que foram
contratados servidores temporários, em afronta à lei e ao Termo de Ajustamento
de Conduta em que se comprometera a regularizar o quadro de pessoal do
Município, providenciando o devido concurso público.
O pedido foi, a final, julgado
improcedente, fundamentando-se a douta Juíza em que não houve abuso de poder,
pois as contratações eram necessárias, não se comprovando que as contratações
visavam a favorecer apaniguados políticos e não causaram prejuízo aos cofres
municipais, pois houve a efetiva prestação do serviço e os salários pagos eram
proporcionais aos vigentes no mercado (fls. 908/916).
Inconformado, o Ministério
Público interpõe apelação, aduzindo que foram desrespeitadas as normas
jurídicas em vigor, considerando-se válidas as contratações, ausente a condição
do concurso público e da circunstância do excepcional interesse público; que
cargos como auxiliar de serviços gerais de música e de limpeza de campo de
futebol não podem ser considerados relevantes e dentro do conceito de excepcionalidade;
que o réu não honrou o compromisso firmado no Termo de Ajustamento de Conduta e
que, ajuizada ação de execução de obrigação de fazer, prontamente demitiu os
servidores, mas alguns meses depois celebrou novos contratos, beneficiando,
inclusive, alguns daqueles que haviam sido dispensados (fls. 921/930).
Requer a reforma da sentença
para que se reconheça a nulidade dos atos administrativos das contratações, com
efeito ex tunc, dissolvendo-se o vínculo empregatício existente entre o
Município e os contratados, sequer gerando direitos trabalhistas; a condenação
do réu a ressarcir aos cofres públicos o montante a ser apurado e a aplicação
das sanções previstas no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92.
Em contra-razões, o recorrido
pugna pela manutenção da sentença (fls. 933/936).
A insigne Procuradoria Geral
de Justiça, em judicioso parecer da lavra do Dr. Almir Alves Moreira, requer o
desprovimento do recurso (fls. 943/952).
De início, cumpre-me observar
que, hodiernamente, é grave a crise por que passa nossa sociedade, sendo cada
vez mais freqüente o envolvimento de agentes públicos e políticos, em todos os
escalões, em casos de corrupção, abuso do poder e outros fatos que pervertem a
legítima função do administrador público.
Devemos todos nós, integrantes
dos Poderes e cidadãos, nos conscientizarmos e tentar eliminar de vez essa onda
de corrupção que vem assolando o país, pois é flagrantemente contrária aos
princípios de justiça e deslegitima a atividade política e os administradores
públicos. Por conseguinte, devem a Administração e o Estado, bem como todos da
população, adotar atitudes que exijam o respeito às regras de ética pública,
procurando reduzir tal comportamento.
Dispõe a Constituição Federal,
no inciso II, de seu art. 37, que "a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração".
Apenas outra exceção existe,
nos termos do inciso IX do mesmo artigo, para a contratação dos temporários:
"a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público".
Afora essas duas hipóteses, que constituem as únicas
exceções à regra geral da obrigatoriedade da aprovação prévia em concurso
público para a investidura em cargo ou emprego público, o administrador público
que contratar pessoas para o serviço público sem concurso estará,
inexoravelmente, cometendo ato de improbidade administrativa, por violação,
conforme a circunstância, ao art. 10, quando o ato causar prejuízo ao erário,
ou ao art. 11, caput, quando o ato atentar contra os princípios da
administração pública, da Lei nº 8.429/92.
Nas hipóteses do art. 11 aplica-se a regra contida
no art. 21, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, segundo a qual,
para a aplicação das sanções que comina, independe a efetiva ocorrência de dano
ao patrimônio público. O agente ímprobo será demandado não para ressarcir o
erário, mas para arcar com a multa civil e demais cominações previstas no art.
12, inciso III, da mesma Lei.
O concurso público é, portanto, obrigatório na
administração direta e indireta das três esferas de governo, a federal, a
estadual e a municipal, e no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Com efeito, ao contratar sem concurso, mesmo que não
haja efetivo prejuízo ao erário, o gestor terá praticado ato de improbidade
administrativa por ter violado diversos princípios da administração pública,
como o da legalidade, porque tal prática é vedada pelo ordenamento jurídico; o
da eficiência, já que no concurso presume-se a escolha dos melhores candidatos
para os quadros da administração pública; e o da impessoalidade, pois a escolha
do contratado se dirige a determinadas pessoas em detrimento de outras, por uma
série de razões, inclusive clientelismo político e outros tipos escusos de
favorecimento. Tais contratações vão de encontro, ainda, aos princípios da
moralidade, sendo que o trato da coisa pública impõe que se paute por
parâmetros éticos e legais, incompatíveis com o favorecimento de poucos, e ao
da isonomia, visto que devem todos ter a mesma oportunidade de acesso ao
serviço público.
Doutrinando sobre a
contratação específica de servidores temporários, no que denominou regime
especial, discorre o preclaro José dos Santos Carvalho Filho: "O regime
especial deve atender a três pressupostos inafastáveis.
O primeiro deles é a
determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados com
esses servidores devem ter sempre prazo determinando, contrariamente, aliás, do
que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na
indeterminação do prazo da relação de trabalho.
Depois, temos o pressuposto da
temporariedade da função: a necessidade desses serviços deve ser sempre
temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o
recrutamento através dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão
de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal
ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação e a admissão será inteiramente
inválida. Lamentavelmente, algumas Administrações, insensíveis (para dizer o
mínimo) ao citado pressuposto, tentam fazer contratações temporárias para
funções permanentes, em flagrante tentativa de fraudar a regra constitucional.
Tal conduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter outro
elemento mobilizador senão o de favorecer a alguns apaniguados para ingressarem
no serviço público sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de
finalidade.
O último pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga ao
recrutamento. Empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse
público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas
comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode
dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à
excepcionalidade do próprio regime especial. Algumas vezes o Poder Público, tal
como sucede com o pressuposto anterior e em regra com o mesmo desvio de poder,
simula desconhecimento de que a excepcionalidade do interesse público é
requisito inafastável para o regime especial" (em Manual de Direito
Administrativo, Ed. Lumen Juris, 9ª ed. p. 478/479).
Compulsando os autos, observo
que, de fato, embora tenha havido contratações nas áreas de saúde e educação,
foram feitas sem qualquer prévio procedimento licitatório. E várias das
admissões temporárias não se amoldam à situação de excepcional interesse
público, tais como guarda noturno e recepcionista no Museu Regional (fls. 204 e
206), reforço de vigilância (fls. 208), serviços gerais na escola de música
(fls. 212), auxiliar de informática (fls. 214), guarda municipal (fls. 218),
motorista de caminhão pipa (fls. 220) e serviço de limpeza no campo de futebol
(fls. 230), entre outros.
Como bem enfatizado pelo douto
Procurador de Justiça, "No caso em tela, embora o Município de Campanha
tenha norma específica sobre a contratação temporária (Lei nº 1.636/93 -
alterada pela Lei nº 1.754/94 - fls. 91/94 e 95), observa-se que muitos dos
contratos impugnados nestes autos não se enquadram em nenhuma das situações de
excepcional interesse público previstas na referida lei" (fls. 947).
E mais adiante: "Nenhuma
dessas contratações pode ser compreendida nas hipóteses de excepcional
interesse público previstas na Lei Municipal nº 1.636/93, porquanto não há
qualquer informação de que tenham sido celebradas para atender situação de
calamidade pública ou que estavam relacionadas a recenseamento,
recadastramento, campanhas de saúde, casos de emergência, levantamentos de
tributo ou a prestação de serviços essenciais. As referidas funções também não
exigiam profissionais de notória especialização e, ademais, as contratações não
tinham por objetivo suprir vacâncias até o provimento dos respectivos cargos,
até porque os cargos inexistiam (a providência de criar cargos foi adotada pela
sucessor do réu)." (fls. 949).
Muito embora a jurisprudência
venha se posicionando pela punição ao administrador desonesto e não ao inábil e
despreparado, tenho que não é esse o caso dos autos. O apelado fora instruído a
regularizar a contratação dos servidores, tendo firmado, inclusive, um Termo de
Ajustamento de Conduta, de nada lhe valendo a alegação de que a Câmara
Municipal não apreciou o seu Projeto de Lei. Poderia ter adotado outras medidas
e, não, ter readmitido servidores temporários, sem motivação prévia, mormente
se já ciente da irregularidade do seu ato.
Há elementos suficientes nos
autos autorizando a conclusão de que as contratações atacadas deram-se em total
afronta ao ideal de atendimento ao interesse público, oportunizando a
utilização da Administração Pública como meio de se auferir proveito político.
Mesmo havendo contratações de médicos, dentistas, fisioterapeuta, que se
poderia admitir como necessárias, não houve motivação, além de prescindir-se da
prévia licitação.
Portanto, tenho que demonstrado
o desrespeito aos princípios da Administração Pública, referidos no art. 11 da
Lei de Improbidade Administrativa, sujeito, destarte, às suas sanções. Não
comprovados, no entanto, o dano ao erário público ou proveito pessoal ou
enriquecimento ilícito do administrador ou de quem quer que seja, não se pode
impor ao ex-prefeito a responsabilidade de ressarcir os cofres públicos.
Quanto às conseqüências da
contratação irregular, o § 2º do art. 37 da CF/88 estabelece que o ato será
nulo e o responsável responderá na forma da legislação vigente. Em relação à
nulidade do ato, não há discussão, havendo, entretanto, posicionamentos
distintos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em relação às
conseqüências de tal nulidade.
Tendo-me, in casu, a defender a
tese de que deve haver um valor social maior do que o respeito às regras de
contratação de funcionários, qual seja, o respeito à dignidade da pessoa humana
e o valor social do trabalho, previsto no art. 1º, incisos III e IV, da
Constituição Federal, por serem fundamentos da República Federativa do Brasil.
Se alguma penalidade ou ônus houver de ser imposto, que o seja ao contratante,
que é quem tem o dever de pautar-se pela estrita legalidade na prática de seus
atos quando à frente da Administração Pública.
Nesse sentido, já se decidiu
no julgamento da Apelação Cível nº 174.895-3/00, de que fui Relator:
"CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - ART. 37, INCISOS
II e IX, DA CF - GARANTIA DA REMUNERAÇÃO RESPECTIVA AO SERVIÇO PRESTADO. A
temporariedade da contratação de trabalhador tem amparo no inciso IX do art. 37
da CF, nas condições ali previstas. Todavia, é dever legal do Poder Público
pagar pelos serviços a ele prestados por servidor, atendo-se a que, mesmo a
irregularidade na contratação de servidor pela Administração Pública não afeta
os direitos adquiridos pelo trabalho prestado, já que a prestação de serviços
não pode ser devolvida. O não pagamento resulta em locupletamento ilícito e
exploração indevida do trabalho alheio, cuja valorização vem garantida nos
artigos 1º, IV, 170 e 193 da CF/88."
Impende ainda mencionar que a Administração Pública,
em razão de sua própria natureza, tem não só o dever mas a obrigação de
pautar-se pelo respeito às determinações legais, servindo como exemplo aos
particulares. Devem os agentes públicos agir como verdadeiros administradores,
na total acepção da palavra, pautando-se cada vez mais pela qualidade e
eficiência dos serviços públicos.
E cabe ao julgador, na fixação
das penas, levar em conta a extensão do dano causado e o proveito patrimonial
obtido pelo agente, conforme prevê o parágrafo único do art. 12 da Lei n.
8429/92. Há que se considerar, ainda, a gravidade da conduta e a intensidade do
elemento subjetivo do agente.
Extraio da doutrina de
Francisco Octávio de Almeida Prado que, "Cabe lembrar, no entanto, que
toda disciplina punitiva subordina-se ao princípio da proporcionalidade em
sentido amplo, que contém a razoabilidade e que impõe equivalência entre
agressão e repressão, que restaria definitivamente comprometida com a
obrigatoriedade de imposição da totalidade de uma extensa relação de
penalidades a fatos substancialmente diferentes no que concerne ao
comprometimento dos bens tutelados pelo Direito. O princípio da
proporcionalidade em sentido amplo, envolvendo a conformidade ou adequação
(razoabilidade), exigibilidade ou necessidade (seleção do meio menos oneroso) e
a proporcionalidade em sentido restrito (meio proporcionado ao fim), impõe-se
como diretriz para a dosagem das penalidades e seleção daquelas que se
apresentem compatíveis com a efetiva gravidade das infrações. Assim, o
Judiciário, atento aos ditames desse princípio, deverá considerar cada caso
concreto em face dele, podendo perfeitamente deixar de aplicar uma ou mais
sanções dentre as previstas no art. 12 da Lei 8429, de 1992.
Conclui-se, pois, que as
sanções previstas nos três incisos do art. 12 e referidas a blocos distintos de
infrações não precisam incidir sempre, em relação a qualquer hipótese, podendo
o juiz, perfeitamente, selecionar, dentre as sanções previstas, quais as que se
revelam adequadas e compatíveis com o caso concreto" (em Improbidade
Administrativa, Malheiros, p. 153/154).
Diante do exposto, dou
provimento ao recurso para reformar a r. sentença e julgar procedente o pedido,
em parte, para declarar a nulidade de todas as contratações realizadas sem o
prévio concurso público, afastados os funcionários que porventura ainda exerçam
as funções, a partir do trânsito em julgado e, com apoio no art. 12, III, da
Lei n.º 8.429/97, condeno o apelado José Maria Prock ao pagamento de multa
civil no valor de 5 (cinco) vezes a remuneração que percebia à época, além de
decretar a suspensão de seus direitos políticos por 03 (três) anos e a
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Custas pelo apelado.
O SR. DES. FRANCISCO LOPES DE
ALBUQUERQUE: VOTO - De acordo.
O SR. DES. EDUARDO ANDRADE:
VOTO - De acordo.
SÚMULA: DERAM PROVIMENTO
PARCIAL.