TERCEIRIZAÇÃO É ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

 

LEI Nº 8.429, DE 02 DE JUNHO DE 1992.

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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

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CAPÍTULO III - DAS PENAS

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

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III - na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

 

Número do processo: 1.0000.00.314375-7/000(1)

Relator: ORLANDO CARVALHO - Relator do Acórdão: ORLANDO CARVALHO

Data do acordão: 20/05/2003 - Data da publicação: 23/05/2003

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - DESCUMPRIMENTO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA.

A contratação de servidor pelo município, sem concurso público, viola o art. 37, caput, e inc. II, da CF/88, implicando a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa. Havendo violação aos princípios da administração pública, caracteriza-se o ato de improbidade administrativa, independente da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Livrar o administrador público das sanções previstas na Lei nº 8.429/92, havendo praticado ato manifestamente ilegal, ciente da sua irregularidade, seria estimular o ímprobo a agir. Recurso provido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.314.375-7/00 - COMARCA DE CAMPANHA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ COMARCA DE CAMPANHA - APELADO(S): JOSÉ MARIA PROCK -

Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL.

O SR. DES. ORLANDO CARVALHO: - VOTO

Tratam os autos de ação civil pública por ato de improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através do seu representante na Comarca de Campanha, contra JOSÉ MARIA PROCK, Prefeito Municipal à época, alegando que foram contratados servidores temporários, em afronta à lei e ao Termo de Ajustamento de Conduta em que se comprometera a regularizar o quadro de pessoal do Município, providenciando o devido concurso público.

O pedido foi, a final, julgado improcedente, fundamentando-se a douta Juíza em que não houve abuso de poder, pois as contratações eram necessárias, não se comprovando que as contratações visavam a favorecer apaniguados políticos e não causaram prejuízo aos cofres municipais, pois houve a efetiva prestação do serviço e os salários pagos eram proporcionais aos vigentes no mercado (fls. 908/916).

Inconformado, o Ministério Público interpõe apelação, aduzindo que foram desrespeitadas as normas jurídicas em vigor, considerando-se válidas as contratações, ausente a condição do concurso público e da circunstância do excepcional interesse público; que cargos como auxiliar de serviços gerais de música e de limpeza de campo de futebol não podem ser considerados relevantes e dentro do conceito de excepcionalidade; que o réu não honrou o compromisso firmado no Termo de Ajustamento de Conduta e que, ajuizada ação de execução de obrigação de fazer, prontamente demitiu os servidores, mas alguns meses depois celebrou novos contratos, beneficiando, inclusive, alguns daqueles que haviam sido dispensados (fls. 921/930).

Requer a reforma da sentença para que se reconheça a nulidade dos atos administrativos das contratações, com efeito ex tunc, dissolvendo-se o vínculo empregatício existente entre o Município e os contratados, sequer gerando direitos trabalhistas; a condenação do réu a ressarcir aos cofres públicos o montante a ser apurado e a aplicação das sanções previstas no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92.

Em contra-razões, o recorrido pugna pela manutenção da sentença (fls. 933/936).

A insigne Procuradoria Geral de Justiça, em judicioso parecer da lavra do Dr. Almir Alves Moreira, requer o desprovimento do recurso (fls. 943/952).

De início, cumpre-me observar que, hodiernamente, é grave a crise por que passa nossa sociedade, sendo cada vez mais freqüente o envolvimento de agentes públicos e políticos, em todos os escalões, em casos de corrupção, abuso do poder e outros fatos que pervertem a legítima função do administrador público.

Devemos todos nós, integrantes dos Poderes e cidadãos, nos conscientizarmos e tentar eliminar de vez essa onda de corrupção que vem assolando o país, pois é flagrantemente contrária aos princípios de justiça e deslegitima a atividade política e os administradores públicos. Por conseguinte, devem a Administração e o Estado, bem como todos da população, adotar atitudes que exijam o respeito às regras de ética pública, procurando reduzir tal comportamento.

Dispõe a Constituição Federal, no inciso II, de seu art. 37, que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração".

Apenas outra exceção existe, nos termos do inciso IX do mesmo artigo, para a contratação dos temporários: "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público".

Afora essas duas hipóteses, que constituem as únicas exceções à regra geral da obrigatoriedade da aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, o administrador público que contratar pessoas para o serviço público sem concurso estará, inexoravelmente, cometendo ato de improbidade administrativa, por violação, conforme a circunstância, ao art. 10, quando o ato causar prejuízo ao erário, ou ao art. 11, caput, quando o ato atentar contra os princípios da administração pública, da Lei nº 8.429/92.

Nas hipóteses do art. 11 aplica-se a regra contida no art. 21, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, segundo a qual, para a aplicação das sanções que comina, independe a efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. O agente ímprobo será demandado não para ressarcir o erário, mas para arcar com a multa civil e demais cominações previstas no art. 12, inciso III, da mesma Lei.

O concurso público é, portanto, obrigatório na administração direta e indireta das três esferas de governo, a federal, a estadual e a municipal, e no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Com efeito, ao contratar sem concurso, mesmo que não haja efetivo prejuízo ao erário, o gestor terá praticado ato de improbidade administrativa por ter violado diversos princípios da administração pública, como o da legalidade, porque tal prática é vedada pelo ordenamento jurídico; o da eficiência, já que no concurso presume-se a escolha dos melhores candidatos para os quadros da administração pública; e o da impessoalidade, pois a escolha do contratado se dirige a determinadas pessoas em detrimento de outras, por uma série de razões, inclusive clientelismo político e outros tipos escusos de favorecimento. Tais contratações vão de encontro, ainda, aos princípios da moralidade, sendo que o trato da coisa pública impõe que se paute por parâmetros éticos e legais, incompatíveis com o favorecimento de poucos, e ao da isonomia, visto que devem todos ter a mesma oportunidade de acesso ao serviço público.

Doutrinando sobre a contratação específica de servidores temporários, no que denominou regime especial, discorre o preclaro José dos Santos Carvalho Filho: "O regime especial deve atender a três pressupostos inafastáveis.

O primeiro deles é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinando, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho.

Depois, temos o pressuposto da temporariedade da função: a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação e a admissão será inteiramente inválida. Lamentavelmente, algumas Administrações, insensíveis (para dizer o mínimo) ao citado pressuposto, tentam fazer contratações temporárias para funções permanentes, em flagrante tentativa de fraudar a regra constitucional. Tal conduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter outro elemento mobilizador senão o de favorecer a alguns apaniguados para ingressarem no serviço público sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de finalidade.
O último pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga ao recrutamento. Empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial. Algumas vezes o Poder Público, tal como sucede com o pressuposto anterior e em regra com o mesmo desvio de poder, simula desconhecimento de que a excepcionalidade do interesse público é requisito inafastável para o regime especial" (em Manual de Direito Administrativo, Ed.
Lumen Juris, 9ª ed. p. 478/479).

Compulsando os autos, observo que, de fato, embora tenha havido contratações nas áreas de saúde e educação, foram feitas sem qualquer prévio procedimento licitatório. E várias das admissões temporárias não se amoldam à situação de excepcional interesse público, tais como guarda noturno e recepcionista no Museu Regional (fls. 204 e 206), reforço de vigilância (fls. 208), serviços gerais na escola de música (fls. 212), auxiliar de informática (fls. 214), guarda municipal (fls. 218), motorista de caminhão pipa (fls. 220) e serviço de limpeza no campo de futebol (fls. 230), entre outros.

Como bem enfatizado pelo douto Procurador de Justiça, "No caso em tela, embora o Município de Campanha tenha norma específica sobre a contratação temporária (Lei nº 1.636/93 - alterada pela Lei nº 1.754/94 - fls. 91/94 e 95), observa-se que muitos dos contratos impugnados nestes autos não se enquadram em nenhuma das situações de excepcional interesse público previstas na referida lei" (fls. 947).

E mais adiante: "Nenhuma dessas contratações pode ser compreendida nas hipóteses de excepcional interesse público previstas na Lei Municipal nº 1.636/93, porquanto não há qualquer informação de que tenham sido celebradas para atender situação de calamidade pública ou que estavam relacionadas a recenseamento, recadastramento, campanhas de saúde, casos de emergência, levantamentos de tributo ou a prestação de serviços essenciais. As referidas funções também não exigiam profissionais de notória especialização e, ademais, as contratações não tinham por objetivo suprir vacâncias até o provimento dos respectivos cargos, até porque os cargos inexistiam (a providência de criar cargos foi adotada pela sucessor do réu)." (fls. 949).

Muito embora a jurisprudência venha se posicionando pela punição ao administrador desonesto e não ao inábil e despreparado, tenho que não é esse o caso dos autos. O apelado fora instruído a regularizar a contratação dos servidores, tendo firmado, inclusive, um Termo de Ajustamento de Conduta, de nada lhe valendo a alegação de que a Câmara Municipal não apreciou o seu Projeto de Lei. Poderia ter adotado outras medidas e, não, ter readmitido servidores temporários, sem motivação prévia, mormente se já ciente da irregularidade do seu ato.

Há elementos suficientes nos autos autorizando a conclusão de que as contratações atacadas deram-se em total afronta ao ideal de atendimento ao interesse público, oportunizando a utilização da Administração Pública como meio de se auferir proveito político. Mesmo havendo contratações de médicos, dentistas, fisioterapeuta, que se poderia admitir como necessárias, não houve motivação, além de prescindir-se da prévia licitação.

Portanto, tenho que demonstrado o desrespeito aos princípios da Administração Pública, referidos no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, sujeito, destarte, às suas sanções. Não comprovados, no entanto, o dano ao erário público ou proveito pessoal ou enriquecimento ilícito do administrador ou de quem quer que seja, não se pode impor ao ex-prefeito a responsabilidade de ressarcir os cofres públicos.

Quanto às conseqüências da contratação irregular, o § 2º do art. 37 da CF/88 estabelece que o ato será nulo e o responsável responderá na forma da legislação vigente. Em relação à nulidade do ato, não há discussão, havendo, entretanto, posicionamentos distintos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em relação às conseqüências de tal nulidade.

Tendo-me, in casu, a defender a tese de que deve haver um valor social maior do que o respeito às regras de contratação de funcionários, qual seja, o respeito à dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, previsto no art. 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal, por serem fundamentos da República Federativa do Brasil. Se alguma penalidade ou ônus houver de ser imposto, que o seja ao contratante, que é quem tem o dever de pautar-se pela estrita legalidade na prática de seus atos quando à frente da Administração Pública.

Nesse sentido, já se decidiu no julgamento da Apelação Cível nº 174.895-3/00, de que fui Relator:
"CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - ART. 37, INCISOS II e IX, DA CF - GARANTIA DA REMUNERAÇÃO RESPECTIVA AO SERVIÇO PRESTADO. A temporariedade da contratação de trabalhador tem amparo no inciso IX do art. 37 da CF, nas condições ali previstas. Todavia, é dever legal do Poder Público pagar pelos serviços a ele prestados por servidor, atendo-se a que, mesmo a irregularidade na contratação de servidor pela Administração Pública não afeta os direitos adquiridos pelo trabalho prestado, já que a prestação de serviços não pode ser devolvida. O não pagamento resulta em locupletamento ilícito e exploração indevida do trabalho alheio, cuja valorização vem garantida nos artigos 1º, IV, 170 e 193 da CF/88."

Impende ainda mencionar que a Administração Pública, em razão de sua própria natureza, tem não só o dever mas a obrigação de pautar-se pelo respeito às determinações legais, servindo como exemplo aos particulares. Devem os agentes públicos agir como verdadeiros administradores, na total acepção da palavra, pautando-se cada vez mais pela qualidade e eficiência dos serviços públicos.

E cabe ao julgador, na fixação das penas, levar em conta a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, conforme prevê o parágrafo único do art. 12 da Lei n. 8429/92. Há que se considerar, ainda, a gravidade da conduta e a intensidade do elemento subjetivo do agente.

Extraio da doutrina de Francisco Octávio de Almeida Prado que, "Cabe lembrar, no entanto, que toda disciplina punitiva subordina-se ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, que contém a razoabilidade e que impõe equivalência entre agressão e repressão, que restaria definitivamente comprometida com a obrigatoriedade de imposição da totalidade de uma extensa relação de penalidades a fatos substancialmente diferentes no que concerne ao comprometimento dos bens tutelados pelo Direito. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo, envolvendo a conformidade ou adequação (razoabilidade), exigibilidade ou necessidade (seleção do meio menos oneroso) e a proporcionalidade em sentido restrito (meio proporcionado ao fim), impõe-se como diretriz para a dosagem das penalidades e seleção daquelas que se apresentem compatíveis com a efetiva gravidade das infrações. Assim, o Judiciário, atento aos ditames desse princípio, deverá considerar cada caso concreto em face dele, podendo perfeitamente deixar de aplicar uma ou mais sanções dentre as previstas no art. 12 da Lei 8429, de 1992.

Conclui-se, pois, que as sanções previstas nos três incisos do art. 12 e referidas a blocos distintos de infrações não precisam incidir sempre, em relação a qualquer hipótese, podendo o juiz, perfeitamente, selecionar, dentre as sanções previstas, quais as que se revelam adequadas e compatíveis com o caso concreto" (em Improbidade Administrativa, Malheiros, p. 153/154).

Diante do exposto, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença e julgar procedente o pedido, em parte, para declarar a nulidade de todas as contratações realizadas sem o prévio concurso público, afastados os funcionários que porventura ainda exerçam as funções, a partir do trânsito em julgado e, com apoio no art. 12, III, da Lei n.º 8.429/97, condeno o apelado José Maria Prock ao pagamento de multa civil no valor de 5 (cinco) vezes a remuneração que percebia à época, além de decretar a suspensão de seus direitos políticos por 03 (três) anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Custas pelo apelado.

O SR. DES. FRANCISCO LOPES DE ALBUQUERQUE: VOTO - De acordo.

O SR. DES. EDUARDO ANDRADE: VOTO - De acordo.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO PARCIAL.