Informática na Educação: Uma Reavaliação

Eduardo O C Chaves [1]


O observador mais atento da evolução da Informática na Educação no Brasil provavelmente não deixará de ter percebido que essa evolução tem se caracterizado pela discussão de uma seqüência de problemas, ou de temas, que poderiam ser categorizados da seguinte forma.

Em um primeiro momento, a grande questão era se deveríamos ou não nos preocupar com o problema, diante do quadro de carências que caracteriza a educação brasileira [2].

Em um segundo momento, resolvida ou suplantada a primeira questão, passou-se a se preocupar com a melhor maneira de introduzir o computador na educação [3].

Em um terceiro momento, que, cronologicamente, ainda convive com o segundo, e, talvez, até com o primeiro, a grande questão se tornou o software educacional.

Embora não considere a primeira questão de todo, nem definitivamente, ultrapassada, vou me concentrar neste trabalho na segunda e na terceira questões, propondo, de certa maneira, uma reavaliação dos temas que vêm sendo discutidos.


I. A Questão da Melhor Maneira de Introduzir o Computador na Educação

Parece-me que a discussão em torno da melhor maneira de introduzir o computador na educação, na forma em que vem sendo conduzida hoje no Brasil, é uma questão de secundária importância, dentro do contexto da Informática na Educação -- embora nos remeta para problemas importantes no âmbito da filosofia da educação e da teoria pedagógica.

Ou vejamos.

A discussão acerca dessa questão tem se polarizado, basicamente, em um conflito entre tendências behavioristas, que privilegiam diferentes formas de instrução programada [4] e tendências piagetianas, que favorecem a chamada "aprendizagem por descoberta" [5].

Logo, esse debate tem se diluído em uma discussão que, embora interessante e apropriada no contexto da filosofia da educação ou da teoria pedagógica, não tem contribuído de modo positivo para o desenvolvimento e o enriquecimento da Informática na Educação no Brasil.

Mas vejamos como tem se conduzido a discussão da questão.

Nos primórdios da discussão da Informática na Educação no Brasil o pêndulo pendia decididamente na direção da tendência de inspiração skinneriana. Tanto assim que, para participar do II Seminário Nacional de Informática na Educação, realizado, sob o patrocínio da Secretaria Especial de Informática, na Universidade Federal da Bahia, em Agosto de 1982, a UNICAMP, que, à época, era a principal, e uma das únicas, defensoras de LOGO (que, como vimos, se coloca na linha piagetiana), se viu obrigada a defender a todo custo um espaço para uma abordagem diferente da instrução programada, naquela ocasião patrocinada por várias outras Universidades e instituições. Levou a UNICAMP para aquele encontro, de que tive a satisfação de participar, nomes do porte dos da Profa. Amélia Americano Franco Domingues de Castro e do Dr. Fernando Curado (este requisitado de suas funções já em empresa privada), para defender o espaço de LOGO, que corria sério risco de ficar de fora das definições relativas ao EDUCOM.

LOGO conseguiu seu espaço. O subprojeto da UNICAMP, calcado em LOGO, foi enquadrado no Projeto EDUCOM. Dos outros quatro subprojetos aprovados (UFRGS, UFRJ, UGMG e UFPE), apenas uma parcela (um terço) do subprojeto da UFRGS envolvia LOGO, a saber, a parcela sob responsabilidade do Laboratório de Estudos Cognitivos. Todos os outros subprojetos se propunham realizar atividades em linhas diferentes, por vezes incompatíveis com LOGO.

Hoje o quadro está alterado. Basicamente todos os subprojetos do Projeto EDUCOM estão pesquisando em cima de LOGO, com exceção, talvez, do da UFRJ. Parece-me, portanto, ser necessário, hoje, preservar o espaço de outras tendências e de outras abordagens, face à ortodoxia representada por LOGO. Vejo-me, assim, na necessidade de assumir, contra a hegemonia atual de LOGO, o papel que, em 1982, assumi contra a então possível hegemonia da instrução programada.

LOGO está se tornando no Brasil (e, talvez, também lá fora, mas não pretendo generalizar) uma verdadeira religião, cuja Bíblia é o MINDSTORMS, e cujo profeta -- ou, talvez, o próprio deus -- é Papert. Os que não professam ou aceitam essa religião e sua reivindicação de exclusividade na posse da verdade são, hoje, freqüentemente, tidos como herejes pelo "LOGO establishment", indignos de almejar maior participação na área da Informática na Educação.

O próprio Comitê Assessor de Informática na Educação do MEC se vê dominado por "loguistas" convictos e juramentados, nacionais e estrangeiros. Em palestra proferida no dia 19 de novembro de 1986, patrocinada pelo referido Comitê Assessor e pela Secretaria de Informática do MEC (quem diria?), e dirigida aos Secretários Estaduais de Educação e Delegados Regionais do MEC, o Prof. Ernest Sarlet, Secretário Municipal da Educação de Novo Hamburgo, RS [6], afirmou, peremptoriamente, que se não for para usar LOGO então nem vale a pena ter computador na escola.

A teoria da Educação apresentada juntamente com LOGO -- que é uma teoria, em seus elementos básicos, muito mais antiga do que Papert e mesmo do que Piaget [7] -- é apresentada como dogma, como "recta doctrina", ortodoxia, da qual não se pode desviar. Passagens de MINDSTORMS são citadas como textos de prova, que supostamente resolvem de maneira definitiva qualquer disputa entre os adeptos da seita. Em caso de divergência de interpretação, busca-se o esclarecimento junto a discípulos que conviveram com o profeta.

Como toda ortodoxia, LOGO, que, em uma interpretação mais aberta e liberal, é uma filosofia da educação bastante atraente e uma linguagem de programação interessante, corre o risco de se tornar estéril no Brasil, de cair em um escolasticismo. Já se ouve perguntar se isso pode ou não pode ser feito em (ou com) LOGO. Já se condenam trabalhos por não se enquadrarem dentro de uma interpretação oficial.

É interessante notar que o próprio Papert parece ser menos ortodoxo que seus seguidores (como, de resto, freqüentemente acontece na história da religião e mesmo da educação [8]). Quando de sua última visita ao Brasil (Novembro de 1986) parece ter encorajado projetos meio heterodoxos que não contam com muita aceitação por parte de seus discípulos mais antigos e ortodoxos.

Torna-se necessário, portanto, defender, hoje, no Brasil, o espaço de outras tendências e de outras abordagens. Na minha conferência no XVIII Congresso da SUCESU [9], defendi a tese de que qualquer tipo de contato com o computador ajuda o desenvolvimento mental e cognitivo da criança, valendo-me, inclusive, de argumentação apresentada pelo Professor Valdemar W. Setzer para defender minha tese.

Vejo que, mais de um ano depois daquele primeiro alerta, é mais necessário ainda bater na mesma tecla.

Afirmar, porém, que qualquer forma de contato com o computador ajuda o desenvolvimento mental e cognitivo da criança não é negar que algumas abordagens são melhores para determinadas ênfases, outras mais adequadas para ênfases um pouco diferentes. É, isto sim, afirmar que todas as abordagens contribuem, de alguma maneira, para o desenvolvimento mental e cognitivo da criança.

O que quero negar, portanto, em primeiro lugar, é a tese de que desenvolvimento mental e cognitivo se exaure em aprendizagem por descoberta, em auto-aprendizagem. O meu artigo "Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais", escrito em 1977 e publicado em 1979 [10], procura demonstrar o contra-senso dessa tese.

Mas quero negar, também, em segundo lugar, que LOGO seja a única, e mesmo a principal, maneira de promover a aprendizagem por descoberta, a auto-aprendizagem, "o aprender a aprender". Muito antes do computador, John Dewey e outros já defendiam uma teoria da educação que propunha esses objetivos educacionais, e sugeria métodos de atingi-los talvez até mais congruentes com a realidade sócio-econômica, cultural, e, portanto, educacional brasileira [11]. Basta ler algumas das contribuições que um de seus seguidores no Brasil, o grande mestre Anísio Teixeira [12], deu ao desenvolvimento de uma teoria da educação brasileira. Mas John Dewey, para não falar em Anísio Teixeira, os adeptos de LOGO no Brasil, em sua grande maioria (ressalvadas as honrosas exceções), nem sabem quem foram. A julgar pelo seu universo téorico e conceitual, a discussão da educação teve início nos laboratórios do MIT, ou, quando muito, nos de Genebra.

É necessário que tenhamos a mente aberta para permitir e incentivar as mais diversas experiências. O que não é possível tolerar é a intolerância. É o pluralismo de pontos de vista, e não o dogmatismo ortodoxo, que vai abrir as mentes das nossas crianças. Quem não tem a própria mente aberta nunca saberá criar condições para que as mentes dos outros se abram. Aqueles que, orgulhosamente, se julgam os donos exclusivos da verdade não podem ajudar os outros na busca -- sempre humilde -- da verdade.

Voltando ao que disse atrás, acho a discussão dessas questões muito importante e interessante -- mas no contexto mais amplo da filosofia da educação e da teoria pedagógica. A própria teoria da aprendizagem, em si só, é um contexto muito restrito para a discussão do problema.

A educação é um fenômeno rico e complexo que não se deixa capturar pelos limites estreitos de uma abordagem ou tendência. Educação envolve aprendizagem por descoberta, mas também envolve aprendizagem em decorrência do ensino formal e deliberado [13]. Educação tem que ver com formação, mas também com transmissão de informação [14]. Nela se evidencia o encontro dialético da tradição com a crítica, o intercâmbio entre o recebimento da tradição e sua avaliação e eventual reformulação. A educação abrange a formação da pessoa, no sentido mais clássico que se dá à expressão, mas também inclui a preparação para o exercício da cidadania e de uma profissão [15].

É preciso não limitar as possibilidades. O próprio Papert, em conferência ministrada no I Simpósio de Ciência e Tecnologia do Projeto POLO INFORMÁTICA da ITAUTEC, mostrou que é mais liberal do que muitos de seus seguidores ao propor como pedagogicamente válida a utilização do computador para edição ou processamento de texto. O mesmo argumento, mutatis mutandis, pode ser desenvolvido para justificar, pedagogicamente, o uso do computador na escola para gerenciar arquivos criados pelas crianças, para fazer cálculos e resolver outros problemas mais convencionais, para gerar gráficos, etc. Ou até, ouso acrescentar, para instrução programada.


II. A Questão do Software Educacional

O principal problema em relação à questão do software educacional é que ninguém parece ser capaz de defini-lo com precisão e clareza.

Um Processador de Texto é, ou pode ser, software educacional? Quero crer que a maior parte dos entendidos diria que não. No entanto, Papert afirma que um Processador de Texto pode ser usado pedagogicamente com grande proveito. Uma Linguagem de Programação pode ser software educacional? Dificilmente COBOL seria assim considerado, mas e LOGO, PILOT, talvez PROLOG, quem sabe PASCAL? Um jogo, pode ser considerado software educacional? E se for um jogo pedagógico? Mas quando é que um jogo deixa de ser só jogo e passa a ser jogo pedagógico? O que se convencionou chamar de Linguagem de Autor é software educacional? Qual seria a diferença entre software educacional e o que se convencionou chamar de courseware, entre o que os franceses chamam de "logiciel" e "didacticiel"? O que dizer quando os "expert systems" prometidos para a área da educação começarem a aparecer: serão eles software educacional também, comparáveis aos programinhas de instrução programada que ensinam as crianças a contar e a decorar os nomes das capitais do mundo? E programas que permitem a construção e manipulação de estatísticas educacionais para uso por supervisores e orientadores pedagógicos? E programas voltados para a administração do ensino e da escola?

A dificuldade em responder com precisão a essas perguntas decorre de falta de clareza sobre o que realmente é software educacional. Quais são os critérios para que um determinado software seja considerado educacional?

Que ele tenha sido feito com a educação em vista, para desenvolver algum objetivo educacional? (Neste caso, LOGO seria considerado um software educacional, mas Processadores de Texto e a maioria dos jogos provavelmente não).

Que ele seja usado para algum objetivo educacional ou pedagogicamente defensável, qualquer que seja a finalidade com que tenha sido criado? (Neste caso, quase qualquer software pode, em princípio, ser, neste sentido, educacional -- até COBOL, para dar um exemplo bastante fora do padrão).

Mas a questão que a seguir se levanta é: mas o que é um objetivo educacional ou pedagogicamente defensável? Transmitir informações? Desenvolver a auto-aprendizagem? A questão novamente ameaça diluir-se nos meandros da filosofia da educação e da teoria pedagógica. Meu amigo e colega Rubem Alves diria (creio eu) que promover a recreação pela recreação, como fim em si e não apenas como meio de atingir alguma finalidade supostamente mais nobre, seria um objetivo educacional perfeitamente defensável. Será que poderíamos construir uma defesa da tese de que os jogos, mesmo os não considerados pedagógicos, são software educacional?

Note-se que o problema é semelhante ao que encontramos em outras áreas. Quando é um livro educacional? Quando é educacional um programa de televisão? Tenho para mim que os piores livros são os livros escritos especificamente para uso na educação, os malditos livros-texto. Como professor de filosofia, sempre preferi recomendar a leitura dos textos dos próprios filósofos à leitura de livros-texto, geralmente muito mais pobres, tanto no conteúdo como na forma. Na televisão, também, os chamados programas educacionais são, a meu ver, piores do que os programas não desenvolvidos com intuito educacional. Daí o pequeno índice de audiência das televisões educativas.

Os livros não considerados educacionais têm um impacto educacional muito maior do que os escritos deliberadamente para uso na educação e em sala de aula, os livros didáticos e os livros-texto. A televisão comercial têm um impacto sobre a educação do nosso povo muito maior do que a televisão voltada para a educação.

Receio que a ênfase que vem sendo dada ao software educacional e o envolvimento cada vez maior dos gigantes da área do livro didático na produção e comercialização do software educacional venha a fazer com que o software educacional apareça em grande quantidade mas em qualidade comparável à dos livros-texto de hoje, senão pior.

Sugiro que, pelo menos temporariamente, se considere um software como educacional se puder ser usado para algum objetivo educacional ou pedagogicamente defensável, qualquer que seja sua natureza ou a finalidade com que tenha sido criado, e que nos preocupemos em ver como é que os programas comerciais que já existem em grande qualidade e de excelente qualidade -- Processadores de Texto, Gerenciadores de Bancos de Dados, Planilhas Eletrônicas, Geradores de Gráficos, etc. -- podem ser usados para nos ajudar a atingir mais fácil e eficientemente os objetivos educacionais que nos propomos. Vamos usar pedagogicamente o que já temos em quantidade suficiente e com excelente qualidade, antes de embarcar em projetos que poderão apenas produzir uma grande quantidade de software que terá a mesma qualidade que os livros diáticos de hoje.

Proponho, portanto que nos voltemos para a utilização do software de que já dispomos (qualquer que seja a finalidade com que tenha sido desenvolvido) como ferramenta que nos ajude a atingir os objetivos educacionais que desejamos atingir, concebendo esses objetivos de maneira muito ampla, que extrapole os limites da sala de aula e da escola. Não me parece possível, no momento, conceituar software educacional exclusivamente em termos do que tradicionalmente se tem convencionado denominar Tecnologia Educacional, ou, pior ainda, Tecnologia Instrucional. O software educacional deve ser assim conceituado em referência à sua função, e não à sua natureza.

Se se vai realmente responder afirmativamente a questão acerca da introdução do computador na educação brasileira, sugiro que se coloquem computadores e software aplicativo à disposição dos professores e dos alunos de nossas escolas e que lhes sejam dadas condições (em termos de tempo, treinamento, material de apoio) para que eles descubram como esses computadores e esse software podem lhes ser úteis, em função dos objetivos educacionais por eles definidos.


NOTAS

[1] Ph.D. em Filosofia pela University of Pittsburgh, Pittsburgh, PA, EUA (1972), Diretor do Centro de Informações Educacionais da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e Professor Titular de Teoria do Conhecimento e Filosofia da Educação junto à Universidade Estadual de Campinas -- UNICAMP.

[2] Esta questão foi por mim discutida, em parte, em "Computadores: Máquinas de Ensinar ou Ferramentas de Aprender", in Em Aberto (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, Brasília, DF, 1983), pp. 9-15.

[3] Também discuti essa questão no artigo mencionado na nota anterior. Contudo, realizei uma discussão mais completa do problema na minha conferência "Informática na Educação -- O Projeto Brasileiro", apresentada no XVIII Congresso Nacional de Informática, promovido pela Sociedade de Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários -- SUCESU, em Setembro de 1985, em São Paulo. Parte dessa conferência está resumida no capítulo II do livro O Projeto Educom - Ano I, volume I da Série Educação e Informática (Centro de Informática da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa -- CENIFOR/FUNTEVÂ, Rio de Janeiro, 1986). O texto ampliado da conferência se encontra agora em livro escrito por mim e pelo Professor Valdemar W. Setzer, da USP, que será publicado, no início de 1987, pela Editora Scipione, São Paulo.

[4] Considero como pertencendo à instrução programada os programas do tipo exercício repetitivo, tutorial, demonstração, etc., e, de certa forma, também alguns programas do tipo simulação e jogo pedagógico. Vide a minha contribuição no livro escrito por mim e pelo Professor Setzer, mencionado atrás.

[5] No caso das tendências piagetinas, sobressai o movimento criado ao redor da linguagem LOGO, que assume a postura de único legítimo defensor de teses piagetianas (afinal, Seymour Papert, criador de LOGO, é um auto-denominado colaborador de Piaget em Genebra) e de arqui-inimigo da instrução programada, de modo a dar a impressão de que, antes de LOGO, todos os educadores eram defensores ardorosos da instrução programada e só depois de LOGO é que perceberam -- se é que perceberam -- seu erro. Vide, neste contexto, os meus artigos "A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais", in Introdução Teórica e Prática às Ciências da Educação, organizado por Antonio Muniz de Rezende (Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1979), pp.111-140 e "LOGO: Uma Lingagem Interativa e Amiga", in Bits (São Paulo, SP, Vol. I, no. 7, Maio de 1984). No meu livro com o Professor Valdemar W. Setzer há, também, uma discussão dessa tendência, tanto por mim quanto pelo Professor Setzer.

[6] O município de Novo Hamburgo, RS, está se tornando sede de peregrinações dos devotos de LOGO, pois, entre outras razões, ofereceu-se para servir de campo de experimentação do Laboratório de Estudos Cognitivos da UFRGS, tendo sido honrado, inclusive, com visita recente do próprio profeta.

[7] Correndo o risco de simplificar as coisas, diria que as teorias educacionais se dividem, basicamente, em dois grupos. De um lado, aquelas que enfatizam o conteúdo ou o conhecimento a ser transmitido ao aluno, e que, portanto, privilegiam o papel do professor e de seus métodos de ensino, e, de outro lado, aquelas que enfatizam o processo de construção e absorção do conhecimento, e que, portanto, privilegiam o papel do aluno e de seus processos de aprendizagem. Quase todas as teorias educacionais se enquadram em um ou outro desses grupos. Até mesmo a etimologia da palavra educar é duvidosa. O primeiro grupo sugere que o termo vem de educare, que quer dizer "formar, treinar". O segundo grupo sugere que vem de educere, que quer dizer "trazer para fora". Cp. Harry Schofield, The Philosophy of Education: An Introduction (George Allen & Unwin Ltd, London, 1972), pp.65. Cp. também a seção "Two Models of Education", in T. W. Moore, Educational Theory: An Introduction (Routledge & Kegan Paul, London, 1974), pp. 20 sqq., onde ele discute o modelo "tradicional" -- o primeiro grupo -- e o modelo "progressista" -- o segundo grupo. Tanto Piaget e Papert como Dewey se situam, naturalmente, no segundo grupo, mas as raizes de ambos os grupos são bem antigas.

[8] John Dewey, por exemplo, condenou duramente os seus discípulos por haverem transformado em fórmulas mortas as idéias vivas que ele havia apresentado. Ao final de sua vida, quando escreveu a Introdução ao livro The Use of Resources in Education, de Elsie Ripley Clapp (Harper & Brothers, New York, 1952), ele afirmou: "It should be commonplace, but unfortunately it is not, that no education -- or anything else for that matter -- is progressive unless it is making progress. Nothing is more reactionary in its consequences than the effort to live according to the ideas, principles, customs, habits or institutions which at some time in the past represented a change for the better but which in the present constitute factors in the problems confronting us. (...) New problems cannot be met intelligently by routine application of ideas and principles which were developed in solving different problems. (...) The real danger is in perpetuating the past under forms that claim to be new but are only disguises of the old. (...) The drive of established institutions is to assimilate and distort the new into conformity with themselves. This drive or tendency in the educational institution is perhaps most glaringly evident in the way the ideas and principles of the educational philosophy I have had a share in developing are still for the most part taught. (...) In teachers colleges and elsewhere the ideas and principles have been converted into a fixed subject matter of ready-made rules, to be taught and memorized according to certain standardized procedures and, when occasion arises, to be applied to educational problems externally, the way mustard plasters, for example, are applied". Mais adiante ele adverte os que acreditam or presumem que "the principles of progressive education (...) are 'inherently progressive' and (that) anyone who can recite them is ipso facto a 'progressive' teacher".

[9] Vide nota no. 3.

[10] Vide nota no. 5. Cp. também David P. Ausubel, Educational Psychology: A Cognitive View (Holt, Rinehart & Winston, Inc., New York, 1968), p. 467: "Learning by discovery has its proper place in the repertoire of accepted pedagogic techniques available to teachers. For certain designated purposes and for certain carefully specified learning situations, its rationale is clear and defensible. But learning by discovery also has its own elaborate mystique: Its legitimate uses and advantages have been unwarrantedly extrapolated to include educational goals, levels of intellectual maturity, levels of subject-matter sophistication, and levels of cognitive functioning for which it is ill-adapted -- and for reasons which derive from sheer dogmatic assertion; from pseudonaturalistic conceptions about the nature and conditions of intellectual development; from outmoded ideas about the relationship between language and thought; from sentimental fantasies about the nature of the child and the aims of education; and from uncritical interpretation of research evidence".

[11] Foi por isso que afirmei, atrás, que não considero ultrapassada de todo, nem definitivamente, a discussão da questão da propriedade da introdução da informática na educação do país (questão esta que não se confunde com a questão da necessidade de estudar o assunto). Cp. em especial John Dewey, How We Think: A Restatement of the Relation of Reflective Thinking to the Educative Process (Heath, Boston, 1910, 1933), The Child and the Curriculum (The University of Chicago Press, Chicago, 1902) e Democracy and Education (The Macmillan Company, New York, 1916).

[12] Cp. em especial Pequena Introdução à Filosofia da Educação: a Escola Progressiva ou a Transformação da Escola  (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1937, 1965) e Educação e o Mundo Moderno (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1977), que é uma coletânea de artigos escritos entre 1953 e 1964.

[13] Vide meu artigo "Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais", in op.cit..

[14] Cp. Karl Popper, "Truth, Rationality and the Growth of Knowledge", in Conjectures and Refutations (Harper Torchbooks, Harper & Row, Publishers, New York, 1963), p.238: "Were we to start the race where Adam started, I know of no reason why we should get any further than Adam did". Cp. também David P. Ausubel, op.cit., p. 482: "If secondary school and university students were obliged to discover for themselves every concept and principle in the syllabus, they would never get much beyond the rudiments of any discipline".

[15] Cp. especialmente os livros mencionados de Dewey, nexte contexto.


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